PT/EN

Este livro constitui-se como uma obra heterodoxa, nos seus múltiplos registos (de que o título é sinal): tem algo de “livro de viagens”, alguma coisa de “livro de memórias”, um tudo nada de “livro de estórias” – e ainda, e finalmente, um singelo, mas real, sentido pedagógico e formativo.
     Foi escrito pelo arquitecto Eduardo Kol de Carvalho, que tive o gosto de conhecer como aluno, há longos anos, em História da Arquitectura, na escola de Lisboa, e com quem me fui cruzando, depois (e com quem fui aprendendo), em encontros nas mais diversas situações e geografias.
     Kol de Carvalho é um viajante culto, um estudioso nato e um arquitecto com longa prática no chamado “trabalho de campo”, nos mais diversos locais e circunstâncias – em regiões e povoações do Portugal ibérico, como noutras, mais ou menos remotas ou distantes, mas também de algum modo pertencentes plenamente à chamada Diáspora Lusitana – como Marrocos, o Médio Oriente, a Tailândia ou o Japão. O denominador comum destes diversos percursos, trabalhos e acções é certamente o do valioso (mas ainda pouco conhecido, divulgado e protegido) Património Arquitectónico, de raiz portuguesa, em Portugal e no Mundo.
     A isso, parece-me, Kol de Carvalho dedica sobretudo esta sua obra. E porque o que digo a seguir se patenteia em diversos temas de vários capítulos do seu livro, tem sentido evocar alguns dos episódios que pessoalmente vivi com ele.
     Recordo o seu fascínio pela cultura nipónica quando, em 1992, visitei aquele país: foi, em Tóquio, o nosso guia, guia modesto e discreto – como é do seu temperamento – por algumas ruas, parques e espaços da cidade. Estava então também a descobrir aquele mundo, tão diferente do nosso, e contagiava-nos pela confissão dessas descobertas – os monumentos, as comidas, os usos e costumes. Era ali, então, o adido cultural da Embaixada Portuguesa. Envolvido na preparação dos contributos portugueses para as comemorações dos 450 anos da chegada dos primeiros ocidentais à terra do Sol Nascente, motivou-nos a criar textos, livros e outras coisas que depois produzimos.
     Passada uma década, durante a minha acção no Instituto de Arte Contemporânea, em Lisboa, tive o gosto de voltar a ser por ele contactado, então no quadro do apoio à organização de uma exposição de arquitectura internacional, com génese no Japão e na Europa, e participação portuguesa.
     Constatei então a sua longa temporada de dedicação, e a energia continuadamente dispendida por ele no Japão (e noutras paragens do Extremo Oriente), em prol da cultura portuguesa – pouco depois chocantemente terminada, aliás, no que toca às iniciativas do Governo Português, ao ser dispensado o seu trabalho consular, no quadro das tristes “reformas de poupança” dos anos 2003-2005 (perdendo-se pessoal altamente especializado, experiente e treinado, nas representações oficiais lusas de muitos países).
     Mas, e voltando atrás, houve muitas outras ocasiões minhas de encontro e admiração pela acção, e sobretudo pelo “estilo”, despojado e sério, mas também entusiástico e mesmo apaixonado, da actuação de Kol de Carvalho: nas apresentações públicas de trabalhos realizados na chamada “Província” portuguesa (há no livro as referências ao trabalho de Kol em Montemor o Novo, em Figueiró dos Vinhos e em Linhares e Celorico da Beira), onde – como só sabe bem quem tentou “lá” fazer igual – Kol de Carvalho lutou e persistiu contra as limitações de verbas, a mesquinhez dos meios, as restrições burocráticas e administrativas.
     De igual modo, recordo as suas apresentações públicas em relação aos trabalhos em Ayuthaya (Tailândia), na plena actuação do arquitecto em articulação com a pesquisa arqueológica, e também, noutros enquadramentos, em Marrocos, em Malaca e em Omã – ao longo de mais de um quarto de século de experiências e viagens de trabalho realizadas.
     Por vezes, Kol de Carvalho (que física e espiritualmente tem algo de franciscano e de abnegado, mesmo de “iluminado”), no trabalho que produziu e realiza, surge-me como quase ascético – na elaboração de um percurso perseverante e sólido, apesar de, e contra, adversidades e desistências, com base num “credo” indiscutível, gerado pela plena consciência pessoal do conjunto dos valores do Património Arquitectónico de Origem Portuguesa no Mundo.
     A sua escrita, no livro que nos ocupa agora, reflecte bem esta dimensão de “missão” a cumprir, e este carácter: sentimos, ao ler uma prosa evocativa e descritiva, cândida, quase ingénua e sempre singela, a consciência de igualdade com que encara os trabalhos a realizar, naquela atitude que Adalberto Tenreiro (outro “viajante da arquitectura”) me enfatizava em Macau: “O arquitecto existe e actua para resolver problemas”... Quer seja a trabalhar em Lisboa ou na Beira, quer no Golfo Pérsico ou na Cochinchina e no Japão – e qualquer que seja a entidade de suporte financeiro e político –, Kol desloca-se aos sítios mais longínquos, com base nos mais díspares meios de apoio, desde que seja para realizar recuperações, estudos e trabalhos sobre património.
     Por isso tive muito prazer em o ver, em colaboração reconhecida, convidado para escrever (sobre Omã) para obras científicas em actual desenvolvimento, pela Fundação Gulbenkian; como também em apreciar os seus estudos mais recentes, sobre as relações urbano-arquitectónicas entre Angra do Heroísmo e Nagasaki, na Revista de Cultura “Atlântida” (Angra do Heroísmo, IAC, 2008).|

 


VER livro 1 #234
VER livro 2 #234
VER livro 1 #235
VER livro 2 #235
VER livro 1 #236
VER livro 2 #236
VER livro 1 #238
VER livro 2 #238
VER livro 3 #238
VER livro 1 #239
VER livro 2 #239
VER livro 3 #239
VER livro 1 #240
VER livro 2 #240
VER livro 3 #240
VER livro 1 #241
VER livro 2 #241
VER livro 3 #241
VER livro 1 #242
VER livro 2 #242
VER livro 3 #242
VER livro 1 #243
VER livro 2 #243
VER livro 3 #243
VER livro 1 #244
VER livro 2 #244
VER livro 3 #244
 FOLHEAR REVISTA